A realidade é longe de ser tão simples. A verdade é que o que mais
fazemos aqui é adaptar a receita de tudo quanto é culinária para
nosso paladar, muitas vezes de maneira traumática, adicionando
salsinha no lugar de coentro e trocando temperos regionais por alho.
Essa é a terra dos mais de um milhão de sabores de pizza, onde
comida chinesa é muito diferente da China e comida tailandesa não
queima o esôfago de ninguém. Não xingue a gente, sabemos que
existe um monte de exceção. Mas, no dia a dia, quem predomina de
verdade são os quilos e os pfs com seus cardápios da semana.
Discutimos isso enquanto tentávamos quebrar a cabeça para
determinar qual é o prato cheio de umami tipicamente paulistano.
Como não chegamos a lugar nenhum, decidimos fazer um
experimento, algo que tivesse uma grande possibilidade de dar
errado. Alguém aqui sugeriu que deveríamos nos inspirar no Dave
Chang, do Momofuku, que tentou criar o umami do Lower East
Side e acabou fazendo missôs incríveis, como o de grão de bico,
que ele jura ter o gosto igualzinho ao de Parmesão. Nada mais
paulistano do que copiar uma receita lá de fora e adaptar com a
nossa cara.
Fermentar algum ingrediente, como o Dave Chang fez, parecia
tentador.
Mas a verdade é que a gente
queria construir uma
geringonça, e não ficar
sentado esperando algum
ingrediente se decompor com
bactérias.
E nada melhor para atender nosso desejo do que uma caixa de
isopor com papel laminado e um aparelho de solda queimando
serragem.
De repente, defumar começou a fazer todo o sentido. A fumaça
está presente por todo lado nesta cidade, não só nas marginais
ou no Ibirapuera, o chamado pulmão da cidade. O resíduo de
fumaça é onipresente até no meu apartamento, especialmente
depois que a vizinha do andar de baixo deixou uma vela acesa
e saiu para fazer compras. Por favor não faça isso. Nunca.
Pensamos em defumar carne ou improvisar com alguns
ingredientes “daqui”, como café ou cambuci, mas resolvemos nos
ater à tradição local. Assim decidimos adaptar a receita de pratos
manjados, acrescentando um bocado de fumaça neles. Sem
nenhum critério, escolhemos o PF da esquina e compramos os
pratos da semana inteira para entupir de fumaça.